"Em seus primórdios, o cristianismo era uma religião que pregava a libertação dos escravos, isto é, dos oprimidos do Império Romano. E estes escravos não eram nada menos que oitenta por cento de toda a população do Império. Nos seus três primeiros séculos de existência, o cristianismo difundiu-se e organizou as massas populares em torno de um Deus que prometia a bem-aventurança eterna aos sofredores e o inferno aos que gozassem de bens desta terra. Durante este período, cresce um sentimento comunitário entre as pessoas e, portanto, entre homens e mulheres.O cristianismo era então menos misógino do que as outras grandes religiões: o judaísmo, o budismo, o hinduísmo e o confucionismo e mais tarde o islamismo, porque todas elas haviam nascido em sociedades mais agrárias, ao passo que a Roma urbana e avançada aproximava-se mais da economia de mercado capitalista. Porém, quando os cristãos ajudaram a derrubar o Império Romano a partir do seu interior, minando-o de dentro para fora, novas culturas bárbaras haviam ocupado o espaço deixado pela cultura greco-romana. E as mulheres foram pouco a pouco perdendo a participação ativa e igualitária que haviam conquistado na nova religião.
Os primeiros cristãos romperam com os papéis sexuais tradicionais e advocavam como estado perfeito de vida o celibato. Este novos papéis, que se afastavam da família convencional, eram bastante atraentes para as mulheres das classes populares, sobrecarregadas com o trabalho doméstico e o externo à casa. No começo, a perseguição das autoridades era feroz, e muitos cristãos pereceram martirizados, inclusive mulheres de famílias dominantes que, pouco a pouco, também foram atraídas pela nova religião.
Nos primeiros séculos, homens e mulheres celibatários dedicavam-se inteiramente ao serviço de Deus, e isto era uma promoção enorme para as mulheres. Mosteiros foram sendo criados, principalemte depois que o cristianismo se tornou a religião oficial do estado. Nesses mosteiros, mulheres tinham um destacado papel e muitas vezes eram consideradas com dignidade tão grande quanto a dos bispos. A partir desta época, a administração do cristianismo foi pouco a pouco se tornando autoritária e centralizada, e eram apenas essas mulheres religiosas que podiam ter algum desenvolvimento intelectual e de sua capacidade de decisão.
No entanto, como os padres da Igreja eram homens e rejeitavam o corpo, e, portanto seus desejos sexuais, o misoginismo foi crescendo na igreja. Este sistema antimulher considerava o estado do casamento inferior ao do celibato. A mulher virgem passou a ser admirada, e a Virgem Maria tornou-se o modelo de todas as mulheres. Embora a Igreja nascente tenha sido, em seus primórdios, libertadora da mulher, era agora a força mais importante e profunda para intensificar a sua submissão."
Vale a pena continuar a leitura desse texto super interessante que faz parte do capítulo 11 do livro A MULHER NO TERCEIRO MILÊNIO de Rose Marie Muraro; aqui ela avalia a situação da mulher no Império Romano. No livro de forma leve e histórica aborda a história da mulher na sociedade terrena, desde épocas mais remotas. Rose analisa o papel da mulher neste terceiro milênio.
Muraro, Rose Marie; A mulher no terceiro milênio; Editora Rosa dos Tempos; 3ª edição, Rio de Janeiro,RJ, páginas 98 e 99